Domingo, 4 de Abril de 2010
Quarta-feira, 23 de Dezembro de 2009


Fotos J.S.
Profecia de um Natal pós-moderno (em 1969)...
Em vez da consoada há um baile de máscaras
Na filial do Banco erigiu-se um Presépio
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década
Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago
Chega o rei do barulho e conserva-se mudo
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público
Nas palhas do curral ocultam microfones
O lajedo em redor é de pedras da Lua
Rainhas da beleza hão-de vir de helicóptero
e é provável até que se apresentem nuas
Eis que surge no céu a estrela prometida
Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito rápido
Assim a noite passa E passa tão depressa
que a meia-noite em vós nem se demora um pouco
Só Jesus no entanto é que não comparece
Só Jesus afinal não quer nada convosco
David Mourão-Ferreira [1969]
A realidade de alguns Natais, dos sem-abrigo, que pelas mais variadas razões foram parar à rua, para estes, que vivem de Migalhas, numa vida por vezes cruel, em que a "igualdade de oportunidades" ainda não é igual para todos!... Mas para eles, também haverá "Natal", é nesta altura do ano que mais se lembram deles, um leite quente, uma sopa, uma ceia de bacalhau, as televisões vão passar algumas dessas imagens, e nos outros dias do ano?...
Para uma Senhora que vive na rua, que não navega na Net, mas que adora livros de poesia, e que não irá abrir as prendas no dia de Natal, apenas estará por ali, no sitío do costume, quando um destes dias lhe desejei um "Bom Natal" , em troca, daquele rosto sempre triste, tive um sorriso e algumas sábias palavras.....agradeci, aquelas palavras, agradeci o sorriso, para mim, foram uma "prenda de Natal"!

Foto da Net
Sábado, 16 de Maio de 2009

Foto retirada da Net
Próximo do local onde trabalho “vivem” muitos “sem-abrigo”, a maioria são homens, uns novos outros menos novos, mas também há uma mulher, que por ali anda há já alguns anos e sempre acompanhada por dois cães e um gato.
Uma vez consegui estabelecer e manter uma conversa com ela, conversou pouco, mas disse-me: Não tenho passado, apenas tenho o dia de hoje!...
A partir daí, quando a encontro diz-me sempre – Bom dia – e tanto lhe faz que seja de manhã, de tarde ou à noite, mas sai sempre e só o Bom dia.
Recentemente presenciei-a a vasculhar um contentor do lixo e retirou de lá, um saco com três bolos, limpou-lhe o bolor e comeu um, dos outros dois, cortou-os religiosamente em partes iguais, das quatro metades, três deu-as aos cães e ao gato, a outra metade esfarelou-a e espalhou as migalhas pelos pombos que esvoaçam por ali!...
Aproximei-me e perguntei-lhe se queria que fosse comprar um pão ou um bolo na padaria ali próximo… olhou-me fixamente e como uma voz serena e pausada disse: - Bom dia – de seguida, baixou os olhos, passou a mão por um dos cães e sorrindo, pronunciou mais umas palavras, dizendo: Obrigado, ficámos bem!
Afastei-me lentamente, comoveu-me aquele – Obrigado -, continuei o meu caminho pensando como é que alguém que passa tanta fome, divide assim com os animais, o pouco que conseguiu para comer… ali ao lado, os pombos esvoaçam baixinho disputando cada um, a sua migalha….
Sexta-feira, 1 de Maio de 2009

Se uma migalha é o que sobra, o que resta a cada momento, então para os pombos restaram “migalhas de pão”, umas maiores, outras mais pequenas, mas todas significam o mesmo, significam o fim!
Os pombos, avidamente, disputam entre si, a posse de cada uma, e talvez os mais perspicazes, ou mais rápidos, ou ainda, com melhor sorte, consigam uma migalha maior.
Na vida, no amor, na amizade, em tudo o que fazemos, sentimos tantas migalhas, e sentimos, o que vai sobrando dos momentos de cada um, e em certos momentos, somos uma migalha longe e distante, porque somos afastados por uma “sacudidela”, pela indiferença, pelo esquecimento, quando sentimos que de algo, que foi lindo, que foi belo, restaram umas migalhas… que ficaram por ali, para ir espalhando, quando nos der jeito, quando pensarmos que – hoje é dia de sacudir umas migalhas - do tempo que me restou.
Agora, já não há migalhas do tempo que resta, há apenas, memórias guardadas no baú de recordações, que guardo algures, que guardo no pátio da “Fortaleza do Silêncio”, neste imenso pátio que é a vida…
Mas é um baú aberto, é um baú que guarda gestos, toques, sorrisos, afectos e memórias sem migalhas, memórias de um tempo que passou, mas que foi vivido cada minuto,a cada instante, com intensidade, com amor e com paixão.
Ah, e os pombos, esses, continuam na disputa pela sua migalha…
Solitário