Numa gélida noite de inverno, na cidade do Porto, numa das mais movimentadas ruas
da cidade, à porta de uma pastelaria um grupo de pessoas, talvez cinco ou seis,
indiferentes ou não ao frio, aguardavam que o proprietário depois de arrumar a casa lhe
desse os bolos ou sandes que tivessem sobrado da venda desse dia.
Naquele grupo, maioritariamente homens, alguns deles "sem-abrigo", estava uma
senhora, bem vestida, com os "olhos no chão", assim que olhou em frente, vi um olhar
triste e vago, um olhar angustiado, quando pressentiu que estava a ser observada,
baixou os olhos e virou-se ligeiramente para a parede, continuei o meu caminho, ficou na
retina aquele olhar angustiante, sofrido, talvez cheio de dor e certamente também de frio.
Caminhei até ao hotel pensando naquela gente, pensando naquele olhar sofrido, entrei
no calor e no conforto de quarto de hotel, liguei a televisão, fiz zaping para não fixar canal
algum, fixei o pensamento naquelas pessoas, quanta necessidade, pessoas que
passam fome quando sabemos de tanto desperdício, lá fora, a noite estava ainda mais
gélida, dormi mal, muito mal, porque ninguém pode ou ninguém devia ficar indiferente,
mas não é assim, as pessoas passam apressadas, quase numa correria, indiferentes a
que está e como está, é a indiferença que nos faz uma sociedade cada vez mais
altruísta, cada vez mais fechada em redor de sim mesmo, cada vez mais egoísta.
Na noite seguinte, após o jantar, caminhei pela mesma rua, talvez um pouco mais tarde,
pois as pessoas que estiveram à porta da pastelaria, começavam a debandar e desta
vez, de mãos vazias, ao cruzar-me com a senhora de olhar triste e vago, dirigi-lhe umas
palavras, parou para ouvir, ficou estática, não respondeu, após insistir, disse-me que
tinha vergonha de ter fome, disse-me que não era “sem abrigo”, que trabalhava doze
horas por dia, e o que ganhava era para pagar a renda da casa, a agua, gás e luz e a
comida dos filhos, esses sim, esses, mesmo pouco, jantavam, ela, como mãe, podia
passar fome, os filhos é que não podiam ir para a cama de barriga vazia!... Trabalhava
muitas horas para receber 485 €uros mês, sentia-se explorada, mas era uma pessoa
digna, lutava por uma vida melhor, estava consciente das dificuldades do dia-a-dia, mas
era uma pessoa séria que nunca entraria em caminhos fáceis para arranjar dinheiro,
preferia passar fome e sentir a vergonha de mendigar o que sobrava da venda do dia,
naquela pastelaria e se nada tivesse dali, ir para casa e mais tarde, descer à rua para ir
á carrinha que distribui comida aos sem abrigo.
Disse-lhe que lhe oferecia o jantar, recusou, insisti, aceitou comer uma sopa e uma
sande, comendo isto, saciava a fome e ainda podia levar para os filhos, levou para casa,
alguns bolos, porque as crianças não podem passar fome….
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